Sou pedófilo, preciso de ajuda!
Publicado em 2015-01-23 na categoria Sexo100Censura / Adicções sexuais


Na sociedade contemporânea, sexo com menores é crime, no entanto nem sempre foi assim (na antiga Grécia era uma prática corrente e aceitável), mas existem países e minorias onde o casamento entre um adulto e uma menor é legal. Somos a favor da criminalização mas entendemos que tratar quem se sente atraído por menores poderia ajudar a evitar que se comentam futuros abusos...

O primeiro sinal foi que “com os meninos conhecidos, ele perdia o controle”. Quando o adolescente que chamaremos Sergi tinha 16 anos, a sua mãe encontrou por casualidade umas fotos que tinha baixado da Internet. Imagens de menores nus, muito mais jovens que ele. “Nada pornográfico, nada explícito... Mas dava para ver aquilo não era normal, não podia ser”, diz a sua mãe. “Você tenta deixá-lo com medo, dá bronca. O nosso filho é um menino carinhoso, ajuda em casa e cede o lugar no bus... Dissemo-lhe, queremos ajudar-te, perguntamos: tu gostas de crianças? De onde vem esta atracção? Por que fazes isso? Mas ele só respondia: "Não sei. Não sei." O tranquilo casal de classe média conta a sua história na consulta do terapeuta de Barcelona, na Espanha, que devolveu a alegria ao seu filho adolescente. “Este problema, quanto mais cedo for abordado, melhor”, dizem. “Mas há um enorme tabu... Não se sabe onde procurar ajuda.”

Os casos de abusos a menores repugnam a sociedade. No entanto, nem todos os pedófilos cometem estes actos e muitos querem parar. Por isso, a comunidade científica, sobretudo na Alemanha e no Canadá, está a apostar no que chamam “prevenção primária”: oferecem terapia gratuita, financiada publicamente, para pedófilos que queiram tratar-se. O objectivo é evitar os abusos antes de que ocorram, ajudando o potencial agressor a controlar, eliminar ou prevenir a sua parafilia sexual.

Na Espanha, por exemplo, não existe nada parecido. Dos 40 sexólogos contatados pelo EL PAÍS em busca de pedófilos que acudam voluntariamente à terapia, a maioria concluiu que poucos procuram ajuda voluntariamente. “Em parte porque não é fácil encontrar”, opina o catedrático de Psicologia da Universidade do País Basco, Enrique Echeburúa. “Aqui os únicos programas de tratamento são feitos na prisão e a imensa maioria dos pedófilos que chegam às consultas privadas são mandados de lá”. “Não é suficiente demonstrar remorso quando já se abusou de uma criança”, acrescenta Josep María Farré, chefe de Psiquiatria do Hospital Quirón Dexeus. “Para prevenir o abuso é preciso ocupar-se de quem possa converter-se em agressor. Mas, infelizmente, este país não está preparado para isso.”

Na Alemanha existe há uma década o Projecto Dunkelfeld – que significa ‘campo escuro’, porque quer chegar aos lugares onde a lei não chega. É financiado pelo Ministério da Justiça e da Família “já que o objectivo principal é proteger as crianças”, diz Till Amelung, um dos terapeutas. O objectivo está claro: a forma rompe clichês. O programa é anunciado com um vídeo (veja-o com subtítulos em inglês aqui) onde aparecem homens mascarados, um médico, um executivo, outro que parece um professor. “É óbvio o que você deve pensar daqueles que são como eu”, diz a voz em off. “Eu também pensava isso. Doente. Pervertido. Escória.” O último tira a máscara: “Na terapia aprendi que ninguém tem a culpa da sua inclinação sexual, mas todos somos responsáveis pelos nossos actos.” No dia 5 de novembro, o Projecto Dunkelfeld lançou um programa para pacientes entre 12 e 18 anos esperando que a terapia seja mais eficiente com eles. A ideia é que os anos de isolamento e segredo só pioram as coisas e muitos acabam se autojustificando.

Quando os pais de Sergi encontraram as fotos, o menino já ia a um psicólogo porque tinha problemas para se relacionar. Os seus pais comentaram o achado com ele: “Não deu importância, minimizou, "coisa de criança", é o que diz um profissional, e você acredita.” No entanto, um tempo depois encontraram mais imagens e o seu filho mais velho contou que numa ocasião Sergi havia tocado num menino pequeno. Era um conhecido, não estavam sozinhos e não foi violento. O menino disse, “Ei, não me toques” e foi embora. “Este é o limite”, pensaram os pais. “Não podemos permitir que continue por este caminho, é preciso procurar um especialista.”

Depois de pesquisar na web encontraram Xavier Pujols, do Instituto de Sexologia de Barcelona, que tratou sete pedófilos em 13 anos com a terapia familiar de Cloé Madanes (dona de um centro na Califórnia que ajudou 72 adolescentes pedófilos). Consiste em 20 passos, o primeiro, “reconhecer o que fez”. A família passou um ano em tratamento. “No primeiro dia, os três já saíram com um sorriso”, lembram. Foi aqui que o menino aceitou o que acontecia com ele, onde relatou que tinha sofrido assédio na escola em segredo durante anos – a origem do problema, segundo o seu terapeuta –, onde pediu desculpas à sua família e à vítima. Onde confessou que havia pensado em “sair do caminho”. A lembrança faz a voz dos seus pais tremer: “Talvez a nossa história ajude outras pessoas, deve haver milhares a passar pelo mesmo.”

Pablo aceita falar sobre a sua pedofilia num chat usando um nome fictício e acompanhado do seu terapeuta em Sevilha, também na Espanha. Como os pais de Sergi, quer que o seu testemunho sirva para outras pessoas. “Para mim, a terapia devolveu-me a vida”, repete. Chegou a ela por mandato judicial. Tinha “trinta e muitos” quando o denunciaram por tocar os genitais de uma menina conhecida. Como não tinha antecedentes, o juiz obrigou-o a procurar ajuda. Se reincidisse, iria para a prisão. “Alguns psicólogos disseram-me que não sabiam tratar-me e isso não me importunava, mas uma terapeuta expulsou-me a gritar do seu consultório, chamou-me sem vergonha, disse que quem deveria ser tratado eram as pobres crianças para quem eu tinha feito algo, e que como mulher e mãe parecia inaceitável a ela que eu pedisse ajuda.” “Entendo que não somos casos fáceis, mas o que devemos fazer?”, escreve Pablo no chat. “Eu não escolhi isto.” Entre as muitas coisas que não sabemos sobre a pedofilia – surpreendentemente, tratando-se de algo que preocupa tanto – é como ela se origina. Os especialistas não entram em acordo sobre se o pedófilo nasce ou é criado, embora algumas investigações recentes apontam para uma origem fisiológica (nascem assim e não podem mudar). Os dados sugerem também que muitos pedófilos sofreram abusos na infância, mas que isso não é causa necessária nem suficiente para desenvolver o transtorno.

Dos quatro aos oito anos um adulto obrigou Pablo a praticar sexo oral. “Vivi isso com medo, estranhava, com surpresa”, lembra. “Não gostei, mas do mesmo jeito que não gostava de outras coisas. Talvez assumi que era assim e pronto. Depois, quando eu brincava com outras crianças, ensinava isso como me tinham ensinado.” “Agora entendo que nunca tive a sexualidade de criança”, diz. “O adulto que abusou de mim roubou-me isso.” Quando um leigo investiga durante meses o tema da pedofilia, entra com um punhado de certezas e sai com um saco de dúvidas. Também apaga alguns clichês: ao redor da metade dos condenados por abuso não são pedófilos, quer dizer, não abusaram de crianças por se sentirem especialmente atraídos por eles, mas por outras razões como a oportunidade ou o uso de álcool ou drogas.

A literatura científica é extensa, complexa, às vezes contraditória, outras, incerta. O grande obstáculo é que a maior parte do que sabemos é graças a estudos com mostras pequenas de população reclusa ou com antecedentes. Por exemplo, a pedofilia é basicamente um transtorno masculino, mas também acredita-se que os abusos femininos poderiam estar sub-representados nas estatísticas penitenciárias. Não sabemos quase nada sobre os pedófilos que, cometendo abusos, não entraram no sistema judicial, nem sobre aqueles que nunca actuaram. Chamam-se a si mesmo “pedófilos virtuosos”. Reúnem-se em fóruns online (sobretudo norte-americanos) para se apoiar mutuamente e formar terapeutas. Não querem cometer delitos e consideram que o sexo com crianças é errado (inclusive o uso de pornografia).

Bob Radke é porta-voz do portal B4uact.org (que significa “antes que você actue”, em inglês). “Nunca cometi um abuso, tenho fantasias, mas isso é tudo que são”, explica por e-mail. “Os fóruns não previnem o abuso, mas pode ser que a comunicação consiga impedir. Atrever-se a fazer terapia é difícil e custa encontrar um psicólogo disposto a escutar. Pedimos que tenham a mente aberta; ninguém bem ajustado deseja sentir-se atraído por menores. Eu nasci assim. Se podemos falar sobre o que sentimos seremos mais felizes, e não imagino uma pessoa feliz magoando outra.” Na comunidade científica tampouco há consenso sobre como tratar os pedófilos ou até que ponto isso é possível. A terapia mais comum é a cognitivo condutiva, acompanhada ou não de polémicos remédios inibidores da libido. Os terapeutas coincidem que o pedófilo que busca ajuda de forma proativa tem metade do caminho andado. Pablo concorda: “Para que a terapia funcione, é preciso querer, não fazer em troca de reduções de pena e coisas assim. E para mim é claro que se houvesse recebido ajuda quando era adolescente, nada disto teria acontecido.”

“Na adolescência comecei a sentir-me um bicho estranho”, conta. “Não me sentia cómodo a beber álcool, escutar a música que as pessoas da minha idade ouviam... por isso continuei rodeado de crianças menores. O problema não era que eu gostava das meninas; é que nunca deixei de gostar delas. Todos ficavam loucos pelos seios e para mim dava na mesma.” A prevalência da pedofilia não está clara. Segundo os investigadores do Projecto Dunkelfiend, 1% dos homens são pedófilos (outros estudos chegam a 5%). Pense num deles. É improvável que tenha imaginado um adolescente angustiado por algo que começa a descobrir no seu interior e que não pode dividir com ninguém. No entanto, sabe-se que a pedofilia, como todos os despertares sexuais, costuma aparecer na adolescência e vir acompanhada de ansiedade, culpa, vergonha, isolamento e ideias suicidas.

O Pablo adolescente acostumou-se a viver “enfiado em si mesmo”. Mas entre os 18 e os 20 anos percebeu que tinha cruzado uma linha. “Foi um momento atroz. Tomei consciência de que podia magoar, embora nunca tenha sido violento, nem nisto nem em outra coisa.” Ocorreu, então, a sua primeira tentativa de suicídio, com remédios. A segunda, cortando as veias, ocorreu quando foi denunciado. “O que acontecia comigo – não acontece mais – era que para mim era irresistível limitar as minhas demonstrações afectivas com as crianças. Eu cruzava um limite que todo mundo tem, mentalmente eu sentia-me como a outra criança. As coisas que elas fazem, mostrar os genitais, tocar-se entre eles, eu continuava a fazer isso depois de abandonada a infância.” “Eles faziam isso com inocência”, diz Pablo. “Mas eu sentia-me uma criança com corpo de adulto. Contaminado... Como quem está numa praia nudista que finge naturalidade, mas fica de olho. Fazia um teatro.”

Pablo está há 5 anos em terapia, muito mais do que o recomendado pelo juiz. “Estamos a falar de transformar o mais profundo da personalidade”, explica o seu psicólogo, José Luiz Sánchez de Cueto, do Colectivo de Saúde Avansex. “Começamos com o controle das condutas, depois trabalhamos a ansiedade e agora estamos a reconstruir o sentido da vida.” “Eu estou limpo com a sociedade”, diz Pablo, “mas quero estar também limpo comigo mesmo.” A sua ideia é continuar com a terapia. Paga 55 euros pela sessão semanal e vem de outra província. “Mas isto não tem preço, estou a comprar a vitalidade”, diz. Sente que está a “transformar-se” e nessa transformação a pedofilia “está a desaparecer”. “Graças à terapia nunca tive uma recaída; de fantasia, sim, mas as fantasias não são delitos.”

Já faz três anos que Pablo tem namorada. No começo foram a várias sessões juntos porque não conseguia ter erecções com ela. Alguns meses depois, aconselhado pelo seu terapeuta, contou tudo a ela. Como se explica algo assim? É a única pergunta que pede para não responder: “Ela recebeu muito mal... Não me faça lembrar isso, foi mais duro que a denúncia, o julgamento e até a tentativa de suicídio.” “Quando me denunciaram senti muita vergonha, mas curiosamente, uma parte de mim sentiu-se libertada.” Sair do segredo foi a sua segunda oportunidade. “Acredito que um dia isto vai ser uma triste lembrança”, diz. Pablo alegra-se quando, nos noticiários, aparece a detenção de um pedófilo ou uma rede de pornografia infantil. “Eu não me considero um monstro, mas isso não quer dizer que eles não existam. O problema é que a sociedade só vê o mais chamativo. Eu assumo a minha responsabilidade e entendo os danos que cometi porque também fizeram comigo. Estou a tentar reconciliar-me com a minha vida e algum dia gostaria de chegar a ser feliz.”

“Ensinamos que vivam sem ser um perigo para a sociedade”

“Tornar-se adulto não é fácil para ninguém. Para você talvez seja ainda mais difícil. Os seus amigos apaixonam-se por estrelas, por famosos ou pelas raparigas da outra classe. Você, por outro lado, gosta dos meninos. É o único que sabe que se sente diferente.” A mensagem, tirada de um vídeo online, faz parte da campanha alemã “Sonha com ele”, que tenta tratar pedófilos adolescentes que estão a descobrir o seu problema. A iniciativa, financiada pelo Ministério da Família alemã, faz parte do Projecto Dunkelfeld, que desde 2005 tratou 323 pedófilos adultos (154 continuam em terapia) nas 10 clínicas espalhadas pelo país.

“A maioria conta que os seus impulsos surgiram durante a adolescência e que viveram anos de segredos, isolamento, culpa e baixa autoestima”, explica Till Amelung, um dos terapeutas. O programa é a ponta de lança de uma mudança de paradigma, mais empático, sobre a pedofilia, que entende a necessidade de ajudar o pedófilo a ajudar-se, mesmo tendo que protegê-lo. “Não é uma mudança fácil, mas pode ser que coloque a salvo muitos menores”, diz Amelung.

O novo projecto, para adolescentes entre 12 e 18 anos, procura enfrentar o problema antes que ele se estabeleça. No ano passado houve um teste piloto com 20 jovens. “Estão cheios de pânico e angústia”, diz Andreas Peter, porta-voz do projecto. “Querem uma cura imediata, mas ela não existe. O que oferecemos é que aprendam a viver sem ser um perigo para si mesmos nem para outros.” O apoio dos pais é fundamental durante o ano de tratamento, de base cognitivo condutiva, que procura aceitar o problema, controlar os estímulos (não usar pornografia, não ficar a espiar, limitar o contato com menores) e desenvolver a autoestima. Ao contrário do que oferecem para adultos, é individual e não inclui remédios para reduzir a libido.

“A terapia baseia-se na que é usada para condenados por agressão sexual, mas para nós eles confessam tudo”, explica Amelung. A confidencialidade é central. Na Alemanha, os terapeutas não são obrigados a denunciar o que é dito nas sessões. “O nosso principal objectivo é sempre proteger as crianças”, explica Amelung. “Quando um paciente significa um risco, procuramos fórmulas alternativas para não denunciá-lo, como avisar os pais ou evitar que o pedófilo tenha acesso ao menor.” Na Espanha, “teoricamente é preciso denunciar”, segundo o catedrático de Psicologia, Enrique Echeburúa. “Mas se o abuso ocorreu no passado não imediato, se foi esporádico, o agressor está à procura de ajuda e é consciente de que foi um erro... Seria necessário usar o sentido comum, avaliar, sempre primando pela proteção do menor.”

Eles nascem assim, se tornam, dá para curar ou aliviar?

O manual da Associação Norte Americana de Psiquiatria estabelece como critérios para diagnosticar um “transtorno pedófilo” ter impulsos sexuais relacionados com pré-adolescentes de forma recorrente durante mais de seis meses e ter actuado sobre eles ou sentir-se mal-estar (culpa, ansiedade) por tê-los. Não se conhece a origem do distúrbio. James Cantor, pesquisador do Centro de Saúde Mental de Toronto (Canadá), recolhe dados há uma década sobre pedófilos, comparando-os com outros agressores sexuais. “São poucas pesquisas sobre o tema e o apoio governamental é escasso”, diz, por e-mail. Depois de escanear o cérebro de 127 agressores, a metade de pedófilos, descobriu nestes uma alteração da matéria branca, que rodeia a matéria cinza.

O pesquisador fala em um “curto-circuito na mente do pedófilo”. Para ele é uma “orientação” com a qual se nasce e não é possível mudar. Acha, no entanto, que a maioria não é violenta e que a terapia permite que controlem a conduta. Paul Fedoroff, director da Clínica de Conduta Sexual de Ottawa (Canadá), opina o mesmo a partir da premissa oposta. Considera a pedofilia um “interesse” que pode ser “curado e prevenido”. Os seus argumentos: tratou milhares “com um índice de reincidência próximo a zero”. O seu programa, público e gratuito, recebe cada vez mais pacientes. “Em grande parte pelo esforço que fizemos para aparecer nos meios”, conta por e-mail.

Terapia para pedófilos

 
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