Sexo biológico, género e orientação: Como se relacionam à cirurgua intersexual
Publicado em 2014-02-21 na categoria SexCult / Intersexualidade


A questão da intersexualidade não se restringe apenas à classificação e a dificuldade de precisar o sexo do indivíduo em termos do modelo dicotómico «Homem/Mulher». O sexo biológico é de facto considerado a primeira manifestação de identidade do ser, mas importa reconhecer que não é a única.

Saber se o indivíduo é menino ou menina implica numa determinação de um caminho a ser traçado ao longo da sua vida, e este caminho será preenchido por escolhas, comportamentos e significações “pré-selecionadas” socialmente a partir daquele ultimatum inicial do sexo biológico.

Ao determinar-se o sexo de um indivíduo intersexual, por decisão médica e familiar que culminam numa intervenção cirúrgica de definição sexual, determina-se também uma identidade compátivel de subgrupo que compartilha das características gerais daquele sexo biológico.Como afirma Judith Butler (2003:37) apud Pino (2007):

“É a marca do género que atribui existência significável para os sujeitos, qualificando-os para a vida no interior da inteligibilidade cultural. A marca do género qualifica os sujeitos e lhes confere reconhecimento como humanos e, ainda, é a nossa identidade primeira.”

É nesse sentido que, ao determinar se o indivíduo intersexual é homem ou mulher, determina-se também o seu género como sendo o de masculino e feminino, respectivamente. Um facto curioso trazido por Pino (2007) no artigo “A teoria queer e os intersex” é que na maioria dos casos de intervenção cirurgica dos indivíduos intersexuais, “criam-se” corpos femininos, pois estes são mais “passivos”, diferentemente dos corpos masculinos pois, como afirmam Cabral e Benzur ( (Citados no mesmo artigo) “Criar um órgão como o pénis que possa vir a não desempenhar a funcionalidade e os atributos da masculinidade é mais complicado para a ordem cultural e social.”

Além disso, na determinação cirúrgica do sexo do intersexual, os objectivos para se “criar” um corpo feminino não são os mesmos para o masculino. Pino(2007) coloca que “aos homens preserva-se primeiramente a sexualidade heterossexual e para as mulheres preserva-se a reprodução e a maternidade.”. Esses factores reafirmam os lugares de cada género na sociedade.

A questão da orientação sexual também está fortemente associada a essa determinação do sexo biológico do sujeito intersexual. Segundo a autora de “O sexo dos anjos”, Paula Sandrine Machado, há uma preocupação maior de médicos e da sociedade em geral à futura masculinidade do paciente operado, e isso inclui a sua heterossexualidade garantida. Essa preocupação não é tão frequente para os casos de pacientes mulheres, contudo permanece para ambos a necessidade de compatibilidade entre o sexo designado pelos médicos e a identidade de gênero correspondente. Pino (2007) traz que:

“A medicina não é a grande vilã da história, antes, é parte da ordem social que exige que as pessoas tenham um sexo verdadeiro – homem-masculino e mulher-feminina – e que essa verdade esteja sinalizada no corpo. A anatomia ainda funciona como o lugar primário para anunciar a verdade dos sujeitos.”

Cabe aqui o questionamento acerca dessa ideia difundida de “naturalização” da compatibilidade sexo biológico-género-orientação heterossexual. Poderíamos ir um pouco mais longe a partir desta última ideia: Acreditar que ter uma não compatibilidade entre estes três conceitos fundamentais (um homem que possui identidade de género feminina; uma mulher que se sente atraída por mulheres etc.) foge do comumente aceito por “ordem natural das coisas” poderiam ser argumentos considerados válidos para justificar muitas condutas intolerantes, preconceituosas e discriminatórias.

Além disso, considerar uma  única forma de identidade humana como correcta, tendo em vista a pluralidade cultural, as experiências individuais, as influências e as singularidades de cada um, limita-se drasticamente estas inúmeras possibilidades e realidades humanas existentes, desconsiderando-as como também naturais, o que é algo que por si só já cobra um profundo senso crítico e questionador.

Poderíamos, portanto, pensar a independência entre esses três factores que compõem nosso “cartão de visita” como naturalmente possível? E, trazendo nossa atenção a questão dos intersexuais, seria o caso de se pensar mais criticamente acerca das determinações médicas de constituição do sujeito intersexual, levando em conta a compatibilidade do sexo construído cirurgicamente com identidades de género e de orientação sexual consideradas “ideais”, sem a possibilidade de construção subjetiva e  de livre escolha do próprio sujeito? Fica a nossa sugestão.

Em breve faremos mais postagens a respeito das temáticas envolvendo a sexualidade nos seus mais variados contextos dentro do mundo intersexual, com as contribuições de diferentes perspectivas teóricas da Psicologia.

 
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