|
|||
Bissexualidades Publicado em 2012-07-04 na categoria SexCult / Bissexualidade
|
|||
A utilização do plural “bissexualidades” justifica-se pelas múltiplas dimensões que esta noção comporta. A ideia de uma bissexualidade potencial sempre habitou o espírito humano constituindo um fenómeno frequente em várias religiões. Em inúmeros mitos e rituais de androgenia encontramos a tese de uma primeira divindade suprema, que seria andrógina, e que após ter-se separada em masculino e feminino gerou a primeiro casal divino. Para a mitologia, a bissexualidade representa uma das manifestações da unidade fundamental; um dos aspectos antropomórficos do ovo cósmico onde, tanto no início como no fim do mundo, só existiria um Todo onde os opostos se confundiriam: no início só há potencialidades, e a primeira bipartição criou os opostos noite/dia, céu/terra. A mitologia grega é repleta de histórias nas quais os heróis são apresentados ora como homens, ora como mulheres, ou ainda de forma dupla: ao mesmo tempo homem e mulher. A ideia de um indeterminismo inicial encontra-se também presente na física moderna com a teoria do Big Bang. Ao nascer, o ser humano só possui potencialidade e a sua identidade sexuada será construída através dos processos identificatórios. Isso significa que a anatomia com a qual o sujeito vem ao mundo não garante, em absoluto, os destinos de sua identidade sexuada, como bem o mostra o transexualismo e intersexo. Porém, é importante frisar, não se pode ter os dois sexos. A chamada “orientação sexual” – homo, hétero ou bi – não deve ser confundida com o sentir-se homem ou mulher. Sentir-se atraído (a) tanto por homens como por mulheres é uma coisa; não saber se se é homem ou mulher, é outra coisa. O facto de um sujeito hesitar entre o desejo de penetrar, ou de ser penetrado, não coloca em questão que será como homem que ele será penetrado ou que penetrará. Neste sentido, psicanalítico, nascemos bissexuais e aprendemos a ser hetero ou homo. [E o termo aprendizagem, para o senso comum, também adquire alguns sentidos que não os adotados pela Psicanálise. Basta dizer que é aprendido, para alguém já logo pensar equivocadamente que deve haver alguém, alguma pessoa que ensina. Para não me estender muito sobre isso, resumo: aprendemos o tempo todo, e o mundo (incluído aí o mundo das coisas) ensina.] Influências do Conceito da Bissexualidade na obra de Freud: 1- Carta 52 (Viena, 06 de Dezembro de 1896): “A fim de explicar por que o resultado [da experiência sexual prematura] às vezes é a perversão e, às vezes, a neurose, valho-me da bissexualidade de todos os seres humanos” (Freud, 1895: 286 – grifos nossos). 2- O recurso à bissexualidade, capítulo 1 de “Os três ensaios…”. A respeito do hermafroditismo, Freud coloca: “A concepção resultante desses factos anatómicos conhecidos de longa data é a de uma predisposição originariamente bissexual, que, no curso do desenvolvimento, vai-se transformando em monossexualidade, com resíduos ínfimos do sexo atrofiado” (Freud, 1905: 134 – grifos nossos). Na nota de rodapé referente a esse mesmo assunto, encontramos: “O reconhecimento da importância da bissexualidade pelo próprio Freud muito se deveu a Fliess (…) Contudo, ele não aceitava a visão de Fliess de que a bissexualidade forneceria a explicação do recalcamento” (Freud, 1905: 136). 3- Na nota do editor do artigo História de uma neurose infantil (1918 [1914 ]), encontramos: “Talvez a principal descoberta clínica seja a de revelar a evidência do papel determinante desempenhado na neurose do paciente pelos seus impulsos femininos primários. O seu marcado grau de bissexualidade era apenas a confirmação de pontos de vista há muito defendidos por Freud, que datavam da época da sua amizade com Fliess. Nos seus escritos subsequentes, porém, Freud deu ainda mais ênfase ao facto da ocorrência universal da bissexualidade e da existência de um complexo de Édipo ”invertido” ou ”negativo” (…) Por outro lado, resiste com veemência a uma tentativa de inferência teórica no sentido de que os motivos relacionados com a bissexualidade são os determinantes invariáveis do recalque” (Freud, 1918: 18 – grifos nossos). No último capítulo desse artigo, intitulado Recapitulação e problemas, Freud fala em introduzir uma ligeira alteração na teoria psicanalítica. E diz-nos: “Parecia palpavelmente óbvio que o recalque e a formação da neurose haviam-se originado do conflito entre as tendências masculina e feminina, ou seja, da bissexualidade. Essa visão da situação, no entanto, é incompleta (…) Insistir que a bissexualidade é a força motivadora que leva ao recalque é assumir uma visão por demais estreita” (Freud, 1918: 116-117 – grifos nossos). 4-No artigo Uma criança é espancada (1919) nas suas últimas páginas (214 e segs.), Freud coloca-se contra a teoria de Fliess quanto à constituição bissexual dos seres humanos e a questão do recalque acontecer na parte que pertence ao sexo oposto. 5- No artigo A psicogénese de um caso de homossexualismo numa mulher (1920), Freud assim se expressa: “(…) a sua última escolha correspondia não só ao ideal feminino, como também ao masculino; combinava a satisfação da tendência homossexual com a tendência heterossexual. É bem sabido que a análise de homossexuais masculinos em numerosos casos revelou a mesma combinação, o que deveria nos alertar contra formarmos uma concepção demasiado simples da natureza e gênese da inversão e mantermos em mente a bissexualidade universal dos seres humanos”(Freud, 1920: 168 – grifos nossos). Freud fará ainda várias referências à questão da bissexualidade em diversos artigos, tais como, Sexualidade feminina (1931); na conferência XXXIII sobre Feminilidade (1932); e outros. |
|||
|
ErosGuia 2012
Desenvolvido por Ideia CRIATIVA